Uma temporada no Congo, publicada em 1967, abarca cronologicamente os acontecimentos que se deram na República Democrática do Congo entre 1959 e 1961. Dividida em três atos, a peça de Aimé Césaire retoma os eventos políticos da independência e da subsequente nomeação de Patrice Lumumba como primeiro-ministro, indo até o assassinato do líder congolês, que resistiu e lutou pela libertação de seu país, colonizado durante oitenta anos pela Bélgica.
No dia 30 de junho de 1960, o até então Congo Belga se torna um país independente, ao fim de um processo de transição conduzido por representantes políticos congoleses e belgas. Parecia se tratar de um episódio harmonioso, vivenciado sem grandes conflitos. No entanto, a história que começa nessa data, com a nomeação de Patrice Lumumba – um dos líderes do movimento pela independência – como chefe de governo do país recém-instituído, terá um desfecho trágico para seu protagonista e para o povo congolês. Uma temporada no Congo nos conta essa história, que se desenrola durante um curto período, desde as vésperas da independência, em 1959, até o assassinato de Lumumba, em 17 de janeiro de 1961. Desse modo, o texto põe em relevo os meandros políticos que conduziram o país a um golpe de Estado, perpetrado com a conivência, quando não ingerência, das potências ocidentais e da Organização das Nações Unidas (ONU), insuflado por uma distorcida retórica anticomunista.
A obra ultrapassa, porém, a dramatização dos bastidores da política, uma vez que dá ao povo congolês um papel proeminente. Recorrendo a procedimentos frequentemente adotados por Brecht e pelo teatro elisabetano, Aimé Césaire constrói um universo literário regido pela tensão permanente entre a trama do poder institucional, de um lado, e as dinâmicas do povo, com seus anseios, medos e versões próprias sobre os fatos, de outro – e seu herói, Lumumba, vive precisamente nesse limiar, onde ambas se tocam.
Natural da Martinica, Césaire estudou com profundidade a história, a política e inclusive a geografia do Congo para apresentar com maestria uma peça sobre a libertação do colonizador belga pelo povo congolês. Tendo passado um tempo no país, Césaire viu de dentro as feridas coloniais e os desafios enfrentados pela sociedade congolesa em seu processo de emancipação. Além do mais, o autor realizou pesquisas acerca da diversidade étnica local, utilizando, na peça, termos e expressões idiomáticas utilizadas no país.
Conhecido sobretudo pelo conjunto que produziu no campo da política, por meio do qual abordou (e combateu) racismo, colonialismo e capitalismo, Césaire foi também poeta e dramaturgo, levando para toda a sua obra o olhar crítico que o acompanhava permanentemente. Escrita em 1966, em concomitância ao processo da montagem teatral, a peça lançada agora pela Temporal Editora é a terceira escrita pelo autor: precedida por Et les Chiens se taisaient [E os cães se calavam] (Temporal, no prelo), de 1946, e A tragédia do rei Christophe, de 1963 – ambas sobre o Haiti –, e sucedida por Une Tempête [Uma tempestade] (Temporal, no prelo), de 1969 – recriação de A tempestade, de Shakespeare, pela perspectiva da luta do povo negro.
Uma temporada no Congo nos palcos
Uma temporada no Congo estreou no dia 20 de março de 1967, no Centro Cultural de Anderlecht, em Bruxelas, sob a direção de Rudi Barnet. Desde então, a peça ganhou diversas montagens, dentre as quais caberia destacar a do Teatro Nacional Popular (TNP), na França, dirigida por Christian Schiaretti, que viajou também à Martinica, país natal de Césaire – todas as fotografias presentes no livro da Temporal foram, inclusive, tiradas dessa última montagem. Dessa maneira, reunindo texto dramático, aparatos críticos e imagens de cena, a edição da Temporal busca ressaltar a presença de Aimé Césaire como dramaturgo, sua crítica ao colonialismo, ao racismo e ao projeto de poder hegemônico do Ocidente, além de jogar luz à resistência popular.