Uma tempestade propõe uma releitura feita a partir de A tempestade, de William Shakespeare, uma das últimas peças escritas pelo autor inglês, que trata de relações de legitimidade e usurpação. Na trama, Próspero, duque de Milão, é deposto por seu irmão, Antonio, e exilado em um navio com sua filha Miranda, que atraca em uma ilha com dois habitantes: Ariel e Calibã. Ariel havia sido preso por Sycorax, mãe de Calibã, e é liberto por Próspero, a quem então passa a dever sua gratidão. Já Calibã, que se considerava o dono da ilha, é escravizado por Próspero e se revolta com a situação.
Pelas entrelinhas de Uma tempestade
As reinterpretações latino-americanas desta peça têm explorado a dinâmica entre Próspero, o colonizador europeu, e seus auxiliares escravizados, Ariel e Calibã. Próspero, que foi usurpado de seu ducado, torna-se o usurpador da ilha que pertencia a Calibã: ele lhes ensina sua língua e acredita tê-los "civilizado". Ao adaptar a peça do dramaturgo elizabetano para um teatro negro, enfatiza-se que a peça deve ser interpretada por um elenco negro, sobretudo porque o autor martinicano adiciona à caracterização de Calibã como um escravo negro, e Ariel é retratado como um escravo negro de pele clara, referido como mulato no original.
O foco principal de Césaire nesta versão é o personagem de Calibã, a quem ele associa aos Panteras Negras norte-americanos. Em sua interpretação, o autor se indigna com a brutalidade e arrogância de Próspero, retratado como um homem indulgente, o que lhe pareceu refletir a típica mentalidade europeia. Sua proposta é apresentar uma nova perspectiva, a do colonizado, questionando a visão eurocêntrica da obra original. Ainda, Césaire explora os efeitos da colonização sobre a cultura e identidade dos povos nativos, além de debater sobre as relações de poder e controle entre colonizador e colonizado.