O que aconteceu após Nora deixar a Casa de Bonecas ou Pilares das Sociedades, peça escrita em 1979 pela romancista, ensaísta e dramaturga austríaca, vencedora do Nobel de literatura, Elfriede Jelinek, começa exatamente no ponto em que termina Casa de Bonecas, escrita pelo norueguês Henrik Ibsen cem anos antes. Protagonista de ambas as peças, Nora aparece em Ibsen como uma figura feminina aparentemente bem enquadrada na sociedade patriarcal e que, no entanto, se liberta pouco a pouco de sua condição submissa, deixando a casa onde morava e abandonando marido e filhos. Já a peça de Jelinek tem início no momento em que Nora inicia sua trajetória como mulher emancipada, mas nem por isso livre das estruturas de dominação que a assujeitam, seja em virtude de sua condição de operária de fábrica, seja em seu novo casamento com o Cônsul Weygang – empresário avarento e calculista que a autora foi buscar entre os personagens de outra peça de Ibsen, Pilares da Sociedade –, seja ainda pelas pressões econômicas que a desafiam continuamente em sua busca pela realização pessoal.
O argumento desta obra, concebida como um drama secundário, nasce de um interesse que sempre moveu a atividade criadora de Elfriede Jelinek: resgatar figuras femininas, reais ou literárias, como forma de tematizar questões sociais profundas e complexas.
A Nora de Jelinek nos palcos
Marcando o início da atividade teatral da autora, O que aconteceu… teve estreia mundial em 6 de outubro de 1979, no Schauspielhaus da cidade austríaca de Graz, sob direção de Kurt Josef Schildknecht. Segundo artigo do jornal Presse, a atriz Petra Fahrnländer interpretou não apenas a Nora de Jelinek, mas também a de Ibsen, quando Casa de Bonecas esteve nos palcos do mesmo teatro. Dando sequência ao êxito da montagem, no ano de 1992, em Viena, a direção de Emmy Werner inovou ao colocar duas atrizes – Beatrice Frey e Andrea Eckert – para se revezarem na interpretação de Nora. A edição da Temporal inclui as fichas técnicas dessas montagens e de outras realizadas na França, no Japão e na Argentina.
Sobre a edição da Temporal
Um prefácio, assinado por Ruth Bohunovsky, uma das tradutoras, dá início à edição. No texto, a autora contextualiza a peça em relação aos dois textos de Ibsen que servem de referência para Jelinek. Além disso, o leitor também encontra uma apresentação dos tradutores Angélica Neri, Gisele Eberspächer, Luiz Abdala Jr. e Ruth Bohunovsky. O texto elucida alguns dos critérios adotados no trabalho coletivo de traduzir não apenas o texto, mas também os traços estilísticos da dramaturga, enfatizando o intuito de recriar, em português brasileiro, um dos traços fundamentais da escrita de Jelinek: a intertextualidade; ou seja, a profusão de referências a livros, músicas, clichês, discursos publicitários e outras memórias comuns que formam o universo cultural de seus destinatários. Por fim, na seção “Anexos” estão, além das fichas técnicas das principais montagens, sugestões de leitura sobre a vida e a obra da autora. As fotografias de capa e miolo foram produzidas na montagem de 1992, realizada no Volkstheater, em Viena.