Considerado por Frank Wedekind o seu melhor texto teatral, Marquês de Keith, peça escrita desde 1899 e montada no ano de 1901, foi concebida a partir da reelaboração de uma série de criações anteriores do autor, que chegou a participar de uma trupe circense, trabalhar como representante comercial de um marchand e a escrever poemas e canções para o cabaré alemão conhecido como Onze Carrascos.
Marquês de Keith, o protagonista oriundo das classes populares que dá nome à peça, almeja usufruir das vantagens de um título de nobreza autoatribuído. No entanto, sua obsessão calculista e seu pendor por uma “estética do brega” destoam de tal aspiração aristocrática. Não à toa, seu grande projeto é a construção do Palácio das Fadas, uma espécie de cabaré ou teatro de variedades que procura alcançar o espírito da nobreza e do moderno, e que, no entanto, mais se aproxima do kitsch.
Escrito em uma época já chacoalhada pelos levantes de 1848 e pela Comuna de Paris, mas visto pelas lentes de uma Alemanha ainda parcialmente feudal, este texto também traz, em contraste com seu protagonista, a figura de Ernst Scholz, personagem nobre que, mergulhado em uma profunda crise ética, e já desacreditado de qualquer virtude, se dirige ao Marquês em busca de uma formação epicurista.
Embora o texto de Wedekind tenha sido bem recebido, Marquês de Keith enfrentou resistência nos palcos, assim como aconteceu com sua outra peça, também publicada pela Temporal, O despertar da primavera. Mais uma vez, o autor desafia as convenções da sociedade e da arte através de seus escritos, explorando o clima cultural da passagem do século XIX ao XX e as técnicas do teatro popular ainda sobreviventes nos teatros de variedades e feiras sazonais daquele momento.
Por que ler a peça?
Marquês de Keith apresenta ressonâncias ao contexto político, cultural, sexual e étnico de Munique, por meio de personagens marginalizadas no espaço urbano em modernização, sejam eles boêmios, estrangeiros, montanheses ou interioranos. Sua obra reflete a tensão entre os valores coletivos emergentes, o capitalismo em consolidação e as estruturas sociais ainda ancoradas no feudalismo, trazendo à tona questionamentos sobre as possibilidades da vida pública e privada em um momento de transição.
A própria descrição do autor, que afirma ser esta a sua peça mais avançada espiritualmente, é uma motivação poderosa para se aventurar nesse enredo fascinante. Além disso, uma das características mais marcantes da obra é a sua dimensão autobiográfica: a censura da revista de sátira política Simplicissimus de que Wedekind era colaborador, figuras presentes em sua trajetória (Rudinoff, Willi Grétor e Oskar Panizza) e acontecimentos que marcaram sua vida.
Sobre a edição da Temporal
Segunda peça de Frank Wedekind publicada pela Temporal, a edição conta com tradução inédita, prefácio e notas de Vinicius Marques Pastorelli. Para aprofundar os conhecimentos na escrita de Wedekind, na seção “Anexos” o leitor encontra uma seleção de poemas e canções associados à gênese da peça, bem como fichas técnicas de algumas montagens a que tivemos acesso, além de sugestões de leitura. Por fim, o volume acompanha um escrito inédito em português de Thomas Mann, “Munique como centro cultural”, que discute a diferença entre o ambiente cultural da cidade durante a chamada Belle Époque e em 1926, no momento de ascensão do nazismo.
Sobre a coleção de teatro moderno
Fundada em 2018, a Temporal nasceu a partir do projeto de trazer ao público brasileiro obras da dramaturgia contemporânea, tanto nacional como estrangeira, entendidas como aquelas que se desenvolveram a partir do fim da década de 1960. Diante da lacuna de publicações de textos teatrais modernos, que foram fundamentais para os desenvolvimentos posteriores do teatro e cujas primeiras expressões remontam ao fim do século XIX, surgiu a vertente de nosso catálogo dedicada a autores(as) modernos(as).
O despertar da primavera: uma tragédia infantil, de Frank Wedekind, inaugurou a coleção de teatro moderno da editora em 2022.