Crítica do teatro I: da utopia ao desencanto é uma reunião de ensaios que se inscrevem nos debates artísticos da virada do século XX para o XXI, período marcado pelo ressurgimento da ideia de “teatro público” em meio a um contexto, sobretudo na França, de amplas greves de trabalhadores e intensa movimentação social. Ao reconsiderar tal noção e conferir-lhe perspectiva histórica, Jean-Pierre Sarrazac persegue um objetivo maior: o de refletir sobre os caminhos de um teatro crítico e ativo em um momento no qual antigas utopias tendem a ser vistas com ceticismo. Durante o percurso desta reflexão, o autor busca entender as diferentes formas de pensar e expressar “teatralidade” – que, nas palavras de Roland Barthes, significa “o teatro menos o texto”. Ao buscar a função organizadora da teatralidade, sua capacidade de gerar prazer e imaginação utópica, e de proporcionar comunidade crítica e ativa, Sarrazac oferece-nos um panorama do teatro em sua dimensão mais política e coletiva.
As origens do “teatro público” e alguns de seus expoentes
O “teatro público” remete aos tempos do Teatro Nacional Popular (TNP), movimento subvencionado pelo Estado francês no pós-guerra que visava uma intensa democratização do teatro por meio de apresentações para grandes audiências. Nesse período, o teatro foi encarado como um serviço público que, por essa razão, deveria ser acessível e estar amplamente presente, dos grandes centros às periferias, formando uma rede descentralizada e diversificada de cultura e arte popular. Ao tratar dessa iniciativa de difusão do teatro, o autor amplia a discussão e considera, de um lado, um circuito paralelo que se desenvolvia em torno de pequenos espaços e com novos autores – entre eles Beckett, Ionesco e Adamov –, e, de outro, a trajetória de Barthes e Bernard Dort, figuras que se empenharam em resgatar o potencial crítico do teatro brechtiano, colocando-se, porém, à altura dos desafios de um novo momento histórico.
Os revezes sobre a noção do “público” a partir da década de 1970
Ao fim do projeto do teatro popular na França, nos anos 1970, a noção de um diálogo mais amplo com a coletividade fica ameaçada e acaba, aos poucos, para trás, enquanto se observa um interesse cada vez maior por questões da linguagem que, no cenário teatral, viriam a ser enaltecidas nas décadas subsequentes. Assim, no manejo entre utopia e desencanto, entre os ideais e os percalços ligados ao teatro público francês, resgatando-o na atualidade em meio a agitações sociais do presente, o livro ganha contornos históricos, sociológicos, estéticos e culturais. Recuperando certo senso do político no teatro, Sarrazac traça uma aposta poética que visa não o passado, mas olhar o futuro de outra maneira, a partir dos múltiplos instrumentos e reflexões que apresenta ao leitor.
Mobilizando temáticas diversas
Ao abordar temas como teatro crítico, espectador ideal, espectador-cliente e público ativo, entre outras categorias, Sarrazac rejeita a “crítica de teatro” – entendida como uma crítica estritamente jornalística – e propõe uma “crítica do teatro”. Isto é, um debate mais profundo a respeito da própria ideia do teatro, cujo propósito maior não é o de julgar, mas o de avaliar, examinar, ponderar e manter “o estado de crise”, segundo o autor. Para Sarrazac, tal estado se mantém no exame, na observação e na análise de seu objeto, que, aqui, trata-se do teatro propriamente dito. Seu objetivo, contudo, é menos o de fazer ele próprio a crítica do teatro do que buscar seguir os passos daqueles que fizeram dessa crítica o núcleo de sua arte, evocando a “lição” de outros mestres. Segundo a expressão de Sérgio de Carvalho em prefácio à edição, este livro, inédito no Brasil, chega para propor uma postura ativa diante do desencantamento do mundo.