Penúltimo texto de Oduvaldo Vianna Filho, Allegro desbundaccio, ou Se o Martins Pena fosse vivo (1973) se passa no Rio de Janeiro, mais especificamente num caótico apartamento onde se desenrola uma acelerada trama de encontros e desencontros. O núcleo da peça é constituído principalmente por três das personagens: Protético, um dentista homossexual vivendo no limite da sobrevivência financeira; Buja, um publicitário que, diante de seu senso moral, abandonou seu trabalho bem remunerado; e Teresa, que deseja casar-se com um homem rico, parte por pressão de sua mãe, mas acaba envolvida com Buja, que desistiu de seu salário de publicitário.
A peça revisita a comédia tradicional, não apenas pela mera marcação da tradição ao evocar Martins Pena, aclamado comediógrafo carioca do século XIX, em seu subtítulo mas também por se tratar do gênero o qual Vianna utilizou para dar forma a novos elementos que passaram a estar presentes na vida da classe média no Brasil, como o crescimento da indústria cultural e internacionalização, assim como o advento da Contracultura.
O retrato desses novos elementos da realidade brasileira já se inicia através do título da peça: desbundaccio remete a “desbunde”, termo associado aos comportamentos e às opções existenciais de todos os que, no contexto da ditadura, identificavam-se com a Contracultura. Assim sendo, “desbundar” significava escolher o que havia de não convencional, abandonando os padrões de militância da esquerda inserida em tal contexto.
SOBRE A EDIÇÃO DA TEMPORAL
- Apresentação por Maria Sílvia Betti;
- Texto de apoio Allegro desbundaccio: Vianinha e as alternativas de resistência num mundo em pedaços, por Claudia Braga;
- Fichas técnicas das apresentações;
- Sugestões de leitura;
- Sobre o autor;
- Sobre a organizadora.

O autor Oduvaldo Vianna Filho
TRECHO EM DESTAQUE
Buja Vamos vender essa cadeira Mies van der
Rohe, isso é tapete persa, essa poltrona é
premiada no Festival de Barcelona... leva,
mês passado você me ajudou paca, esse mês
é meu…
De Marco Pomba, chega de falar em dinheiro, passo
a semana toda falando em dinheiro, vim
aqui pra desbundar...
O AUTOR
Oduvaldo Vianna Filho nasceu no Rio de Janeiro em 1936, filho de um dramaturgo (Oduvaldo Vianna) e de uma radialista (Deocélia Vianna). Ligado à militância política comunista por influência de seus pais, cresceu em contato com quadros históricos do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Ao ingressar no movimento estudantil, ainda na adolescência, organizou, juntamente com Gianfrancesco Guarnieri e outros companheiros, o Teatro Paulista do Estudante. Ao longo de sua carreira Vianna participou de frentes de trabalho fundamentais para a renovação da dramaturgia e do teatro como veículos de reflexões estéticas e políticas: o Teatro de Arena de São Paulo, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC), e o grupo Opinião, do Rio de Janeiro. No CPC seu trabalho teve crucial importância para a criação de um teatro político de rua, de que ele participou como dramaturgo e como ator.
Em 1964, com o golpe e a implantação do regime autoritário, a perseguição política tornou impossível a continuidade do projeto cultural que ali se desenvolvia, e a prioridade artística e política de Vianna, dentro dessa nova e difícil conjuntura, passa a ser a resistência ao golpe, entendida como primeiro passo para a luta contra o autoritarismo.
Em 1968, com o Ato Institucional número 5, é implantada a censura prévia aos meios de comunicação, e acirra-se a repressão a todos os que se ligassem à militância e à arte de esquerda. A necessidade de trabalhar e o desejo de atingir outras faixas de público levam Vianna a estreitar seus laços com a televisão, já que todas as suas peças haviam passado a ser sumariamente proibidas pela censura. Escrevendo inicialmente para o programa de teleteatro de Bibi Ferreira (Bibi – Série Especial), na Tupi do Rio de Janeiro, Vianna (juntamente com seu ex-companheiro do CPC, Armando Costa) passa, em 1973, a criar, na TV Globo, os roteiros de A Grande Família, programa em que o talento de comediógrafo herdado de seu pai, Oduvaldo Vianna, se fez sentir.
A censura impediu que a grande maioria das peças que Vianna escrevera após o golpe fossem encenadas, mesmo que tivessem sido premiadas pelo concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro, como Papa Highirte (1968) e Rasga coração (1974), seu último trabalho.