A longa noite de Cristal
Peça nunca publicada de Oduvaldo Vianna Filho, de 1969, apresenta os mecanismos e jogos de interesses do telejornalismo brasileiro com surpreendente atualidade
45,00
Peça nunca publicada de Oduvaldo Vianna Filho, de 1969, apresenta os mecanismos e jogos de interesses do telejornalismo brasileiro com surpreendente atualidade
45,00
Gênero teatro
Formato 14 x 19 cm
Peso 150 g
ISBN 9788553092031
Cristal é o apelido de Celso Almeida Gagliano, locutor radiofônico que no passado se tornara famoso por seu timbre cristalino de voz. Trabalhando agora como apresentador de um telejornal, ele é incapaz de compreender as pressões do regime militar sofridas por seu colega Murilo, chefe do Departamento de Pesquisa da emissora. Apegado ao sistema de trabalho vigente nos tempos pioneiros do rádio, quando furos de reportagem eram dados com base em fatos testemunhados individualmente e in loco pelos jornalistas, Cristal noticia no ar um acontecimento que presenciara e que, embora verdadeiro, contraria os interesses dos patrocinadores. Assim, a crise desencadeada na emissora será também, para ele, uma crise existencial que o colocará diante de vários enfrentamentos. Por meio de elipses de tempo e de espaço, A longa noite de Cristal, de 1969, aborda em chave crítica o papel da televisão, já então transformada no principal veículo de comunicação de massas do país.
No ano de sua estreia, a peça ganhou Prêmio Coroa de Teatro por concurso e, em 1970, o Prêmio Molière (SP) — Melhor peça do ano.
A edição da Temporal traz, assim como os títulos anteriores (Rasga coração e Papa Highirte) da coleção, apresentação e posfácio da professora e pesquisadora Maria Sílvia Betti (org.), fotos, fichas técnicas das montagens da peça e sugestões de leitura a respeito da obra de Oduvaldo Vianna Filho.
A TV é um reflexo. Mas a gente pode ficar nela, analisar a peça a partir desse dado. Vianna ambienta a peça num veículo de comunicação, informação e divulgação, ou seja, com um importante sentido social. Em contrapartida, ele coloca a alienação existente no seio deste veículo.
Oduvaldo Vianna Filho nasceu no Rio de Janeiro em 1936, filho de um dramaturgo (Oduvaldo Vianna) e de uma radialista (Deocélia Vianna). Ligado à militância política comunista por influência de seus pais, cresceu em contato com quadros históricos do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Ao ingressar no movimento estudantil, ainda na adolescência, organizou, juntamente com Gianfrancesco Guarnieri e outros companheiros, o Teatro Paulista do Estudante. Ao longo de sua carreira Vianna participou de frentes de trabalho fundamentais para a renovação da dramaturgia e do teatro como veículos de reflexões estéticas e políticas: o Teatro de Arena de São Paulo, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC), e o grupo Opinião, do Rio de Janeiro. No CPC seu trabalho teve crucial importância para a criação de um teatro político de rua, de que ele participou como dramaturgo e como ator.
Em 1964, com o golpe e a implantação do regime autoritário, a perseguição política tornou impossível a continuidade do projeto cultural que ali se desenvolvia, e a prioridade artística e política de Vianna, dentro dessa nova e difícil conjuntura, passa a ser a resistência ao golpe, entendida como primeiro passo para a luta contra o autoritarismo.
Em 1968, com o Ato Institucional número 5, é implantada a censura prévia aos meios de comunicação, e acirra-se a repressão a todos os que se ligassem à militância e à arte de esquerda. A necessidade de trabalhar e o desejo de atingir outras faixas de público leva Vianna a estreitar seus laços com a televisão, já que todas as suas peças haviam passado a ser sumariamente proibidas pela censura. Escrevendo inicialmente para o programa de teleteatro de Bibi Ferreira (Bibi – Série Especial), na Tupi do Rio de Janeiro, Vianna (juntamente com seu ex-companheiro do CPC, Armando Costa) passa, em 1973, a criar, na TV Globo, os roteiros de A Grande Família, programa em que o talento de comediógrafo herdado de seu pai, Oduvaldo Vianna, se fez sentir.
A censura impediu que a grande maioria das peças que Vianna escrevera após o golpe fossem encenadas, mesmo que tivessem sido premiadas pelo concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro, como Papa Highirte (1968) e Rasga coração (1974), seu último trabalho.
Porque a televisão, entre o apagar e o acender da luz vermelha da câmera, do “gravando!”, envolve um grande sistema, uma grande indústria, um aglomerado de interesses. E a peça, a partir de um fato real, do locutor que desmente uma notícia no ar, é a narrativa disso, de uma maneira simples, como o autor mesmo, com um texto de dimensões enormes, profundas, mas que pode ser entendido por qualquer pessoa.